segunda-feira, 15 de abril de 2013

O homem da capa preta

Em 1906 nasceu em Alagoas Natalício Tenório Cavalcanti de Albuquerque. Para os mais jovens, o nome talvez não diga muito. Tenório Cavalcanti, como era conhecido, foi um dos mais notórios personagens da política fluminense no período que antecedeu o golpe de 1964. Tema de livros e filmes, suscita curiosidade ainda hoje. O que chama a atenção em sua biografia não é somente sua carreira política de 28 anos, iniciada como vereador em Nova Iguaçu (RJ) em 1936 e interrompida como deputado federal em 1964, quando foi cassado. Tampouco o fato de ter sido proprietário da Luta Democrática, jornal popular criado em 1954, que ficou famoso por suas manchetes escandalosas, fotos constrangedoras e noticiário policial extenso e detalhado. Sua atuação como advogado em casos criminais rumorosos também não é suficiente para explicar a longevidade de sua fama. O que desperta especial interesse em Tenório é a junção de tudo isso num único personagem. Não bastasse, envolveu-se em episódios violentos, cultivou a fama de valente e portava armas com frequência, entre elas uma metralhadora chamada de “Lurdinha”, que ocultava sob uma capa preta. Daí a alcunha de “o homem da capa preta”. [Ver RHBN nº 68] Tenório Cavalcanti chegou ao Rio de Janeiro em meados dos anos 1920 em busca de melhores condições de vida, morando com parentes, em pensões, e finalmente instalando-se na periferia da cidade, na Baixada Fluminense. Mas seu destino foi bastante diferente da imensa maioria de migrantes. Mesmo tendo origem humilde, vinha de família com vínculos políticos. Era afilhado de Natalício Camboim, deputado por Alagoas entre 1909 e 1926. Por sua influência, conheceu o engenheiro Hildebrando Araújo de Góes, diretor do Departamento de Portos, Rios e Canais, que o empregou como controlador de ponto nas obras da estrada Rio-São Paulo, hoje Rodovia Presidente Dutra. Hildebrando o apresentou ao engenheiro Edgard Soares de Pinho, cujas fazendas, em Duque de Caxias, Tenório passou a administrar. Foi assim que ele se instalou na região, que até 1943 era distrito de Nova Iguaçu, onde também foi administrador de fazendas. A Baixada, até então predominantemente rural, vivia intenso e rápido processo de urbanização. Área abandonada pelo poder público, sujeita a inundações, com população declinante, via sua situação se inverter na época em que Tenório ali chegou. Obras de saneamento, construção de estradas e o crescimento do fluxo de migrantes provocaram a valorização de suas terras. Indivíduos e empresas passaram a promover a criação de loteamentos urbanos na região. Os loteamentos geraram disputas, conflitos, ocupações e grilagens: o suficiente para criar a imagem de uma Baixada violenta, que se manteve por muitos anos. Tenório afirmou-se pelo poder das armas, reunindo migrantes, inclusive parentes, em sua guarda. Impôs-se organizando e gerenciando a violência e oferecendo proteção, importantíssima para a população recém-chegada, carente de tudo, inclusive de segurança. O controle de homens armados revelou-se útil para aumentar seu prestígio e expandir sua rede de relações pessoais não só entre os que ocupavam posição inferior à sua, mas também entre os que estavam em posição social superior.Foi requisitado até para dar proteção a autoridades importantes, como o presidente Washington Luís (1869-1957) em uma de suas viagens a Caxias, para visitar as obras da rodovia Rio-Petrópolis. As redes de relações e o prestígio que conquistara tornaram possível o casamento com Walkíria Lomba, de família influente em Nova Iguaçu, sobrinha-neta do coronel João Telles Bittencourt, prefeito do município de 1927 a 1929. E o matrimônio, por sua vez, projetou ainda mais a sua imagem. Apesar do declínio econômico vivido pelo sogro, a união contribuiu para ampliar o capital social de Tenório, decisivo para sua entrada na política e a eleição para vereador em 1936. Ele foi eleito pela União Progressista Fluminense (UPF), partido de oposição a Getulio Vargas (1882-1954). Mas Tenório não permaneceu muito tempo como vereador, pois o golpe que instalou o Estado Novo interrompeu a atividade partidária no país em 1937. Logo ele se envolveu em conflitos com o coronel Agenor Barcelos Feio, secretário de Segurança do interventor fluminense Ernani do Amaral Peixoto de 1927 a 1945. Passou a ver nos dois seus mais notórios inimigos, acusando-os seguidas vezes de mandantes de atentados que sofrera, além de mortes de pessoas ligadas a ele. Não surpreende que, no fim do Estado Novo (1945), tenha se filiado ao partido que reunia os opositores de Vargas, a União Democrática Nacional (UDN), pelo qual se tornou deputado estadual em 1947. Foi pela UDN que se elegeu deputado federal nos pleitos de 1950, 1954 e 1958. Nas duas últimas eleições, chegou a ser o campeão de votos no estado. Foi nesse período que ele alcançou projeção nacional, ao associar sua imagem aos símbolos que a marcaram definitivamente: a “Lurdinha”, metralhadora que usava para se defender, mas também para intimidar seus adversários; e a capa preta com a qual a ocultava, típica dos formandos em Direito da Universidade de Coimbra, presente de um amigo. Sem dúvida, a atividade parlamentar no Congresso foi importante, ampliando sua capacidade de distribuir benesses e recursos. Mas isso não foi tudo. Tenório ainda se dedicou a outras áreas: deu início às atividades no jornalismo e na advocacia. “O homem da capa preta” se formou em 1944, pela antiga Faculdade Nacional de Direito, e ampliou a clientela política atendendo pessoas necessitadas. O diploma também serviu para tornar seu nome conhecido nacionalmente ao atuar como advogado de defesa em casos de grande repercussão, como o “crime da Sacopã”, no qual um tenente da Aeronáutica, Alberto Jorge Bandeira, era acusado de matar o bancário Afrânio de Lemos. Usava a Luta Democrática para noticiar os crimes e os julgamentos, enfatizando os argumentos de defesa, anunciando como certo e iminente o reconhecimento da inocência. Dessa forma ele procurava induzir uma opinião favorável aos acusados, influenciando o julgamento e, ao mesmo tempo, difundindo sua figura e suas ações. Em fins dos anos 1950, Tenório rompeu com a UDN, que na eleição de 1958 apoiou o candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Silveira, para o governo do estado do Rio de Janeiro. Tenório ficou ao lado do político e amigo Getúlio Moura (1903-1981), do Partido Social Democrático (PSD), de seu inimigo Ernani do Amaral Peixoto. Além de antigo aliado, Moura seria um governador da Baixada. Mas Roberto Silveira, que terminou vencendo, era uma liderança ascendente no estado, com um discurso popular. Apostando em sua projeção nacional, Tenório se candidatou em 1960 ao governo do novo Estado da Guanabara, criado com a transferência da capital federal para Brasília. Seu partido foi o Rural Trabalhista (PRT) e contou com o apoio do Partido Social Progressista (PSP). Ele, que ficou em terceiro lugar, teve peso decisivo na eleição, favorecendo a vitória do udenista Carlos Lacerda (1914-1977) sobre o candidato do PTB e das esquerdas, Sérgio Magalhães. Tenório acabou atraindo votos de setores populares e de esquerda que poderiam ir para Magalhães. Dois anos depois, Tenório se candidatou, agora pelo Partido Social Trabalhista (PST), ao governo do estado do Rio de Janeiro e, ao mesmo tempo, à Câmara Federal. Essa disputa ocorreu já em um quadro distinto. Era outro Tenório, uma nova persona política, alterando de forma substancial seu discurso, suas propostas, suas alianças. Em uma conjuntura marcada por intensa mobilização social, polarização e intensificação dos embates políticos, ele procurou diversificar e ampliar seu campo de ação adotando palavras de ordem como a da reforma agrária e a do combate ao imperialismo, dando suporte a manifestações e movimentos reivindicatórios operários e camponeses. Foi apoiado por grupos de esquerda, que ele combatera. Quem acabou vencendo a eleição foi Badger da Silveira, irmão de Roberto, e Tenório ficou em segundo lugar. Derrotado para governador, ele se elegeu deputado federal e manteve a atuação mais à esquerda, tal qual a linha editorial da Luta Democrática. Com o golpe de 1964, foi cassado. Mesmo resgatando a antiga retórica anticomunista, a situação não se reverteu. Sem mandato e distante do jornal, Tenório recolheu-se em Duque de Caxias, retirando-se da cena nacional. Morreu no ostracismo, em 1987. Mario Grynszpané professor da Fundação Getulio Vargas e da Universidade Federal Fluminense. O cerco da vitória O nome de Tenório esteve envolvido em crimes de grande repercussão nacional. Um dos mais famosos foi o assassinato de um delegado de Duque de Caxias, Albino Imparato, e de um auxiliar conhecido como Bereco. Os dois foram mortos a tiros em agosto de 1953. As relações entre Imparato e Tenório eram tensam, já que o delegado pretendia ligar Tenório a uma série de crimes. O policial havia sido nomeado justamente por um dos desafetos de Tenório, o coronel Barcelos Feio, à época secretário de Segurança do governo de Amaral Peixoto. Para o delegado encarregado de investigar os assassinatos, Wilson Fredericci, Tenório teria sido o mandante. Para Tenório, porém, essa acusação era uma perseguição política movida pelo governador, por seu secretário e pelo presidente da República, Getulio Vargas. O motivo, segundo ele, era puramente político: impedir sua candidatura nas eleições de 1954 para a Câmara Federal. Diante da suspeita, Barcelos Feio ordenou à polícia que fizesse buscas na residência de Tenório, conhecida como “fortaleza”. Entretanto, invocando imunidade parlamentar, “o homem da capa preta” não permitiu a entrada dos policiais e disse que resistiria, se preciso, até a morte. A Câmara Federal interveio por meio de seu presidente, Nereu Ramos, e de deputados como Afonso Arinos, José Augusto, Flores da Cunha e Danton Coelho. O grupo, juntamente com o ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, rumou para Caxias, obtendo a suspensão do cerco. O episódio acabou rendendo mais prestígio e reconhecimento a Tenório. Resultado: ele foi o deputado federal mais votado no estado do Rio em 1954.revistadehistoria.com.br

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